terça-feira, 27 de setembro de 2011

Relato de aula - 8 - Metodologia II

- Continuação de Schafer

Escuta da música Snowforms, de Murray Schafer.



Escuta da paisagem sonora: andar pelo pátio do campus, ouvindo os sons externos durante 15 minutos.

Relato de aula - 8 - Metodologia I

- Continuação do método Kodály.

Conforme combinado na aula anterior, o Teco nos deu uma demonstração de como ele aplica o método Kodaly nas suas aulas.

Ele mostrou como trabalha com seus grupos corais, utilizando exercícios com percepção auditiva, glissandos, canções, métodos de escrita, dó móvel, etc.

Relato de aula - 8 - Regência e Didática do Canto Coral

- Relação da regência com o corpo (mudança do apoio, balanço do corpo, balanço do corpo e saltos para um lado e para o outro sem interrupção do movimento de regência);
- Técnicas de regência (fermata, entrada, anacruse)
- Cantamos a escala de Dó maior em canone, formando o campo harmonico de Dó, em ritmo ternário!!! Foi lindo!!! Tive a oportunidade de reger o grupo, inclusive colocando fermatas.
- Pratica de repertório.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Relato de aula - 7 - Metodologia II

EXTRA! EXTRA! EXTRA!
Hoje teremos atividades com propostas de Murray Shaffer!



Já fiz essa proposta com a Enny no ateliê, mas utilizando folhas de jornal.
Dessa vez, foram usadas folhas de revistas.
Foram várias atividade: passar uma folha sem fazer ruido, explorar os sons obtidos através da folha, mostrar para os demais, reproduzir, classificar esses sons e, finalmente, fazer uma composição em grupo!

Relato de aula - 7 - Regência e Didática do Canto Coral

- Técnica de regência para diversos ritmos: binário, ternário, quaternário, quinário, etc... e com variações em cada uma delas (condensação, aumento, divisão...);
- Exercícios de aquecimento com “x”, “s” e “f”;
- Prática de repertório.

Relato de aula - 7 - Metodologia I

- Continuação do método Kodály

Bem que eu estava suspeitando... através dessas aulas de Kodaly acabei percebendo que comecei a ser musicalizada com esse método! Quando estava na quinta série, começou na escola um projeto da FDE chamado "Escola Aberta", através do qual havia aulas de canto e flauta-doce. Eu optei pela flauta-doce.

Minha professora, chamada Valéria Ruiz, usava os "Tás e Ti-tis"! Mas até agora eu não sabia que era um método específico. Ela também utilizava muitas músicas folclóricas, várias, inclusive, que nós não conhecíamos.

Acho que ela também se inspirava em Dalcroze, pois usava alguns exercícios com movimentos... mas não tenho certeza...

Era muito legal. Tanto que depois de uns três anos entrou outro professor, que usava músicas mais "moderninhas", como "Segura o Tchan"!!! Ah, eu me lembro que não gostei nadinha...

Na aula de hoje cantamos bastante, trabalhando tanto com a parte ritmica quanto com a melódica. A Enny utilizou exercícios do livro "Leitura e Escrita Musical". Ela também indicou o livro "Brincando, Cantando e Aprendendo" (Marli Batista Ávila).

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Música Tem de Ter Conteúdo


"Música Tem de Ter Conteúdo", nesta entrevista publicada pelo "Estado" em 1º de novembro de 1997 (orientado por Carlos Haag), o compositor alemão Hans Joachim Koellreutter falou sobre sua infância, a perseguição nazista, sua chegada ao Brasil, as aulas que deu a Tom Jobim, sua visão da música e do ensino dela. Também explicou porque sempre carrega consigo a Bíblia e o "Fausto", de Goethe.
Koellreutter morreu terça-feira (13 de setembro de 2005), aos 90 anos.

Pequeno histórico: Em novembro de 1937, chegava ao Brasil o maestro, compositor e educador alemão Hans-Joachim Koellreutter. Antifascista convicto, o jovem de 22 anos desafiara a Gestapo, criando grupos de vanguarda que tocavam música de compositores judeus. Vinha ao país para uma série de turnês e, ainda no navio, ouviu sobre a instauração do Estado Novo e descobriu-se fugindo de uma ditadura para cair em outra. Mas a paixão pelo povo brasileiro foi mais forte e ele acabou ficando por aqui. Na sua bagagem, trazia a modernidade musical, sons estranhos a uma nação que cultuava o nacionalismo. Nascido em Freiburg, em setembro de 1915, Koelreutter regeu, em 1931, seu concerto de estréia e, dois anos depois, publicava suas primeiras obras. Com Hitler já no poder, fundou, em 1935, com amigos, o Círculo de Música Nova, em Berlim, e, ainda naquele ano, se apresentou como flautista em Paris. Pouco antes de vir ao Brasil, o músico irrequieto participou também da criação do Círculo de Música Contemporânea, em Genebra. Motivos mais do que suficientes para atrair a ira dos nazistas, que, naqueles anos, execravam a arte contemporânea. Estabeleceu-se entre o Rio e São Paulo e não demorou muito para pôr em prática, aqui também, a sua notória subversão artística. Em 1939, criou a revista e o movimento Música Viva, responsável pela divulgação da música nova, trabalho que estendeu por toda a sua vida, estreando, no Brasil, composições de Stravinski, Schoenberg e Bartók, entre outros. As reações foram temerárias. Numa mistura de medo, xenofobia e inveja, Koellreutter foi atacado pela imprensa como nazista, comunista, plagiário e mistificador. Apesar dos bons ouvidos, ele fez que não ouviu ou reagiu à altura da agressividade dos ataques, entre eles, os desfechados por Camargo Guarnieri na sua Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil (1950), na qual, sem citar nomes, chamava o dodecafonismo de "refúgio de compositores medíocres". Antes disso, Koellreutter lançara o Manifesto de 1946, em que divulgava abertamente a defesa do atonalismo e a necessidade da divulgação da música contemporânea. Os nacionalistas não perdoaram o estrangeiro, porém poucos pararam para ouvi-lo. Entre os anos 50 e 60, viajou ao Japão e à Índia, países em que descobriu realizadas muitas de suas teorias e filosofias estéticas. Em Nova Délhi, foi um dos fundadores da Filarmônica de Bombaim e criador da Delhi School of Music. Esteve ausente do Brasil por 13 anos e, na volta, em 1975, retomou sua paixão pelo ensino em Londrina, São Paulo e no Rio. Seus alunos, hoje, são a nata da música clássica brasileira: Cláudio Santoro, Edino Krieger, Issac Karabtchevski, César Guerra-Peixe, Severino Araújo e Tom Jobim. Ainda assim, ao candidatar-se, em 1981, à Academia Brasileira de Música, não teve votação suficiente para ganhar uma das cadeiras. Tampouco foi boa a experiência de dirigir, à sua maneira, o Conservatório de Música de Tatuí, onde não teve forças para vencer os inúmeros obstáculos colocados pela burocracia. Morando em São Paulo, o compositor esteve ativo até sua morte. Tinha acabado de compor (em 1997) a peça Panta Rhei ("Tudo flui", em grego), para vibrafone-solo. E, 1996, em Santos, apresentou sua ópera O Café, de longa gestação, baseada em texto de Mário de Andrade. Participou, no Rio, da Bienal de Música Contemporânea, mas boa parte do seu tempo era dedicada aos alunos, aos quais ensina, avisando antes que "o bom educador é aquele que não educa".

Vamos à entrevista...

Como começou sua relação com a música?
É uma historia muito romântica. Aos 12 anos, eu era um moleque e fiz uma série de bobagens na escola. Um dia exagerei. Na minha classe, havia colegas muito pobres que gostavam muito de bananas de chocolate. Enquanto mudávamos de roupa para fazer ginástica, pedi licença para fazer xixi, mas fui roubar dinheiro da roupa dos meus colegas ricos para comprar os tais doces para os pobres. Os professores, então, queixaram-se a meu pai, um médico famoso em nossa cidade, que ficou muito bravo e decidiu prender-me em casa como castigo. Fiquei no quarto, sem poder brincar na rua e sem saber como passar o tempo. Decidi, então, arrumar um armário, onde encontrei uma flauta antiga do Exército austríaco, um flajolete, e comecei a estudá-la e a fazer música. Foi como dei meus primeiros passos para a música. Tive também o que chamávamos de detector: uma caixinha pequena com cristal em que a gente procurava a estação com agulha e ouvia música de Paris e Londres. Foram as minhas primeiras sinfonias, óperas e operetas e apaixonei-me por tudo aquilo. Melhorei meu comportamento, abandonei aquelas aventuras e me tornei um sujeito mais ou menos civilizado (risos).

Ainda assim, o sr. enganou seu pai para ir a Berlim.
Quando resolvi dizer a meu pai que queria ser músico, ele não gostou. Além disso, eu tinha tendências esquerdistas e queria estudar em Berlim, já que me havia interessado pela música moderna, que, naquele tempo, era Stravinski, Hindemith. Mas meu pai escolheu para mim um professor em Leipzig, uma cidade mais tradicional, musicalmente conservadora, e me obrigou a ir para lá. Na estação, mudei de trem e fui para Berlim, onde queria estudar com Hindemith, que era conhecido na Alemanha como um bolchevista cultural. Hoje, ele é visto como muito acadêmico (risos). Além do mais, Berlim era uma cidade muito progressista e internacionalista, coisas que me interessavam. Mudei-me para lá.

Como foi trabalhar com Hindemith e Hermann Scherchen?
Apesar do que algumas enciclopédias dizem, nunca fui aluno de Hindemith. Por um desses acasos, o compositor mais acadêmico de Leipzig, Kurt Thomas, mudou-se, naquela mesma época, para Berlim e meu pai insistiu que eu estudasse com ele. Era um grande regente de coral, mas um compositor neoclassicista, superacadêmico e tradicional. De Hindemith só assisti às primeiras apresentações que fez de sua técnica, a harmonia acústica, na Universidade de Berlim. Tivemos, isso sim, contatos pessoais, pois, como eu, ele também teve de deixar a Alemanha por não concordar com o regime de Hitler. Já de Scherchen me aproximei por razões políticas. A Gestapo queixou-se de mim ao meu pai, porque, no Natal, em vez de passar a festa com a família, como todo cristão normal, andava, como eles diziam, com judeus. Liguei, então, para Scherchen, que estava em Zurique, e ele me convidou para passar o Natal com ele. A partir daí, ele me introduziu à música dodecafônica, ao atonalismo e a todas as outras correntes de vanguarda da época.

Como reagiram as autoridades nazistas?
Viram que eu e meus amigos tínhamos atitudes antifascistas. Eu era estudante de música da Academia em Berlim e criei um círculo para apresentar compositores judeus, o que era proibido. Com amigos entrosei-me na ideologia dos estudantes daquela época. Fundamos grupos de música como reação à política cultural do governo nazista. A polícia perseguiu-nos, fecharam nossa associação de concertos, mas não aconteceu nada muito trágico. Mas, numa certa altura, fui obrigado a deixar a academia, porque eles queriam que eu entrasse numa espécie de UNE nazista. Neguei-me, disse que não queria nada com aquele governo e eles, é claro, me dispensaram. Fui para Genebra, na Suíça, terminar meus estudos.

Sua cidadania alemã foi cassada por causa da apresentação de judeus em Berlim?
Não, os nazistas cassaram-na mais tarde. Antes, comecei a fazer turnês como flautista e cheguei a ficar famoso pela Europa. Numa dessas viagens, vim parar no Brasil e toquei no norte do país, levado por uma organização chamada Instrução Cultural Brasileira. Fui a Manaus, e, em 1939, quando a guerra estourou, chamaram-me para que eu me alistasse em Ulm numa unidade do Exército. Eu lhes disse que estava no Brasil e não queria nada com a Alemanha e ainda mais entrar na guerra ao lado de Hitler. Virei desertor. Nesse ínterim, fiquei noivo de uma mulher que era parte judia, enfatizando minha ideologia antinazista com esse casamento, que fiz no Brasil. Claro que contra a vontade de meus pais, que me denunciaram à Gestapo para eu não me casar com a moça. Casei-me com ela, separamo-nos mais tarde e, hoje, ela vive no Sul.

O que o levou ao dodecafonismo?
Ele me prestava, porque ampliava a minha linguagem musical e estética. Eu admirava muito Schoenberg, Alban Berg e Webern, que faziam o grupo dodecafônico. Mas não escrevi obras dodecafônicas. Foi Scherchen quem me introduziu, dizendo-me que, como músico, precisava conhecer aquelas novas linguagens musicais.

Dessa Segunda Escola de Viena, quem mais o influenciou?
Nenhum deles em especial. Admito que fiquei muito interessado nas tentativas de Berg, com Wozzeck, Lulu, mas o que me chamava mesmo a atenção, então, era estruturar gestalticamente a música, a teoria da informação e a psicologia da gestalt.

Como foi sua chegada ao Brasil em 1937?
Foi um choque. Conhecia toda a Europa, mas essa era sempre a mesma coisa. Aqui estava um mundo diferente e tive de apreender e aprender o modo de viver deste país. Mas gostei. Havia feito uma turnê pela América Latina, mas preferi o Brasil. Não pelo país em si, mas adorei a gente daqui.

O sr. chegou em pleno Estado Novo.
Um pouco depois. Pensei como era trágico e engraçado ter saído de uma ditadura para cair em outra, mas tudo bem. Afinal, o Brasil não era a Alemanha e senti que não haveria comparação entre os dois regimes autoritários fascistas, mesmo que, aqui, houvesse simpatia pelo nazismo. De fato, não senti muito a ditadura de Vargas.

Mas o sr. foi preso poucos anos depois.
É verdade, por suspeita de espionagem. Não tinha mais nacionalidade, estava sem passaporte. Nos primeiros anos, tive a sorte de poder colaborar com Francisco Curt Lange, o musicólogo que redescobriu a música barroca de Minas, que morava em Montevidéu. Ele me convidou para fazer parte da sua Editora Interamericana de Música. Lange era progressista, gostava da música moderna e achava que seria bom trabalharmos juntos. Eu vivia em São Paulo e sabia mexer com a impressão de música em chapas de chumbo. O problema é que eu, um alemão, recebia dinheiro de outro alemão, do Uruguai, e, um dia, a polícia prendeu-me, jogaram-me no xadrez e, depois, na Luz, na Imigração, uma espécie de campo de concentração, onde convivi com nazistas, japoneses e outros alemães. Foram tempos difíceis. Nos primeiros meses, passei fome de doer e o primeiro bico foi, como já disse, o negócio da impressão de música, numa empresa chamada Fuchs. O filho do dono gostava de mim, via que eu passava fome e não tinha dinheiro. Ofereceu para eu aprender a técnica daquele artesanato e disse que, por saber música, eu dirigiria o ateliê de impressão. Demorei um ano aprendendo e, quando concluí o aprendizado, eles faliram (risos). E "venderam-me", com as ferramentas e máquinas, para outra firma de impressão em São Paulo, onde, meses depois fiquei intoxicado gravemente com o chumbo, e deixei aquele negócio. Esse foi o tempo que Guarnieri chegou de Paris, onde fôra estudar, e ficamos amigos. Saí em busca de um novo trabalho. Encontrei um alemão que dirigia uma loja chamada Casa e Jardim e me disse ter uma galeria de pintura de que eu poderia tomar conta. Ganhava o suficiente para o arroz e o feijão e só precisava trocar os quadros. Usava o tempo para dar aulas e compor. Dei até concertos lá e foi onde me prenderam, porque falava alemão com o proprietário. Já havia a suspeita de espionagem e nos levaram para a cadeia. Fiquei numa cela com um judeu e um jovem comunista. O judeu disse que eu poderia trabalhar com ele, vendendo guarda-chuvas e papel carbono, o que fiz por um tempo. Afinal, o dono da galeria estava preso. Não fui bom vendedor e, quando o outro dono saiu, me convidou para voltar à Casa e Jardim e trabalhar embalando caixotes. Subi para vendedor, depois virei caixa e me apaixonei. O dono, meu amigo, não gostou e me transferiu para uma filial no Rio.

E a música?
No Natal, chegou ao Rio a mulher de um regente húngaro que fundou a Orquestra Sinfônica Brasileira com Eleazar. Ela me conhecia da Europa e disse não acreditar que eu não estivesse tocando. Ela falou com seu marido, o maestro da orquesta, Eugen Zemka. Entrei na orquestra e fui flautista por quatro ou cinco anos. Foi então que iniciei minha carreira de músico no Brasil.

Em 1939, o sr. criou o movimento Música Viva e as reações foram as piores possíveis. Como as recebeu?
Não sei o porquê de tudo aquilo. Há várias fofocas. Quando fiquei intoxicado, o Guarnieri visitou-me, fomos muito amigos e, de repente, não éramos mais. Não sei por quê. Contam que na casa de chá do Mappin, certa vez, minha mulher e a dele puseram-se a brigar sobre quem era o introdutor do dodecafonismo no Brasil. Não sei se foi isso, mas ele virou meu inimigo n° 1. O que durou até 1977, quando ele fez 70 anos e participamos de um concerto em Teresópolis. Viramos não amigos, mas bons colegas.

E quanto às outras reações?
Eram fofocas. Pessoas que não me conheciam achavam que eu era antinacionalista. Mas eu era amigo do Villa-Lobos, do Basílio Itiberê. Certo, eu não era nacionalista, mas poderia até ter sido, em meio a essa constelação. De qualquer forma, atacavam-me.

O sr. não se revoltou com o País?
Desde que fui preso, sempre preferi pensar que essas eram coisas pelas quais se precisa passar num novo país. Nunca sofri, nunca estive infeliz. Tampouco me revoltei com os ataques. Percebi que eram pessoas com outra formação, uma cultura nova que precisava passar pelo nacionalismo, a fim de criar sua identidade. Defendi-me, quando me atacavam pelos jornais: um dia, eu era nazista e, no outro, comunista. Mas sabia que estava lutando por uma estética. Não ser nacionalista não o impediu de admirar Mário de Andrade. Tive um contato bom, mas superficial, com ele. Li O Café, gostei. Era um nacionalista, mas moderado, não um fanático, como o Camargo daquela fase ou os comunistas de verdade, como Cláudio Santoro, meu discípulo. Já eu nunca fui do partido, só um simpatizante, como não deixarei de ser.

Entre comunistas e nacionalistas, o sr. não ficou entre dois fogos?
Num certo sentido sim. Além dos nacionalistas que me detestavam, vi-me diante de discípulos e amigos que acharam que deveriam mudar seu estilo.

Isolado?
Um artista é sempre isolado. Quanto aos outros inimigos, quando, 12 anos mais tarde, voltei do Oriente, fui convidado para dirigir o MIS do Rio. De cara, quis convidar meus inimigos. Na primeira reunião, pedi a palavra. E disse: "Quero fazer agradecimentos aos meus inimigos. Eles merecem, porque eu sofri muito tempo, mas isso foi importante para a minha vida. Agradeço toda essa campanha que fizeram contra mim. Se não tivesse tido isso, não seria quem sou, não me teria esforçado tanto, aprofundado tanto, para chegar à essência das coisas. Isso só aconteceu porque vocês me obrigaram. O adversário é muito mais importante que a pessoa que só o elogia." Ninguém fez nenhum comentário.

Qual é a importância de sua viagem ao Oriente?
Do ponto de vista ideológico e filosófico, sempre tive muito em comum com aqueles países. Senti que muitas das minhas idéias estavam realizadas nesses lugares. Há muita equivalência entre o pensamento moderno, físico e científico e o misticismo metafísico de, principalmente, Índia, Japão e Indonésia. Na Índia, há uma fusão do rigor sintático, em particular, uma ligação entre improvisação e liberdade de expressão. Acho que, até hoje, o ocidental só tem a aprender com eles e nada a ensinar. Mesmo a Delhi School of Music, que fundei na Índia, foi apenas para criar um núcleo de comparações entre o Ocidente e eles. É possível também aprender a relação não hedonista do indiano com a música. Eles sentem realmente a linguagem. Isso porque a música clássica da Índia tem maior divulgação do que a nossa. Trabalhamos com 12 notas na oitava do piano; eles, 70 e tantas, com quartos de oitava. É um repertório diferente do nosso, que é mais racional ou racionalista. A liberdade na sua música é imensa e, ao mesmo tempo, há um grande rigor. Lá tudo é moderno, porque é improvisado, mesmo em trechos notados. E o improvisado está sempre mais próximo do homem comum que o organizado racionalmente.

Foi da Índia que o sr. trouxe o conceito de música utilitária, lançado, com grande polêmica, nos anos 70?
A música deve ser funcional no sentido da musicoterapia, da música feita para o rádio, a TV. O futuro da música será a fusão com atividades extramusicais. É um palpite. Não sou profeta, mas acho que o concerto é uma forma social em declínio, após ter funcionado mal por anos. Quem vai realmente a um concerto, pelo concerto em si? Eu vivo da música, mas não vou a concertos, a não ser que alguém esteja apresentando uma composição nova com a qual eu possa aprender algo. Vou para enriquecer meu repertório de conhecimento. O concerto não está mais em função da composição. Eu mesmo não componho mais pensando em apresentações.

Sair das salas de concerto é a forma de aproximar o público da modernidade?
A música é como uma linguagem qualquer que se quer aprender. Leva tempo, precisamos ouvir muito e acostumar nossa percepção a cada estilo musical. Sim, acho que a fusão com outras áreas seria uma boa ponte para aproximar o público da modernidade, por meio dos jingles, do teatro, etc. A música pura, a "música pela música", teremos cada vez menos. Mas cada um ouve e julga música de seu modo. Não creio que se possa julgar e dar razão ou não a alguém que defenda ou ataque a música nova. O problema maior é que o público não ouve a música nova, ele a escuta. Gostar da música contemporânea exige esforço, tempo, e, se não se está disposto, deixe a música de lado. Nem todo mundo precisa interessar-se por ela.

O que pensa do novo tonalismo da música contemporânea, da volta a uma sonoridade "agradável" que faz sucesso entre o público?
A fusão entre agradável e moderno é muito perigosa, pois é o que a média das pessoas gostaria de ter. Só que média é mediocridade. Quando me dizem "isso é um sucesso", espero que não seja, porque, se há sucesso, algo não vai bem. Isso nos leva a pensar qual é a função da música. Para mim, o artista tem a função de contribuir na divulgação das grandes idéias que formam a época em que nós vivemos.

Como superar a abstração da música para conseguir isso?
Não é abstrata para mim. É uma linguagem e eu a entendo como você entende português, com vocabulário e sintaxe. Mas tem de ter conteúdo. A música tem uma série de regras, princípios, tantos quanto os que regem a nossa vida hoje. Mesmo em seus contrastes, que não vejo como oposições, mas como elementos que se unem a uma entidade, a um todo. São holísticos, coisas que se complementam. Não existe bem e mal, transcendência e imanência, vida e morte. Tudo, no fundo, é uma coisa só. E são elementos que valem não só na música, mas também na vida. Afinal, não faço diferença entre ser homem e ser artista: é uma coisa só, com seus negativos e seus positivos. Penso também que essa briga com o público é mais importante que a sua solução. Se chegamos a um resultado, esse mudará amanhã. A verdade são sempre as contradições. Eu sou artista e pedagogo com mesma a paixão. E, assim, vejo sempre que esses elementos são um só. É importante trabalhar por essa idéia para que, se isso funcionar, possamos criar um mundo mais interessante e de paz.

A música é assim tão valiosa?
O valor, para mim, está no conteúdo da música. Uma música representa todas as idéias importantes do mundo em que vivemos. Por exemplo, essa superação dos opostos. Ou, então, a idéia de um outro tipo de tempo, a quarta dimensão, no sentido de uma transcendência. Essa dimensão não é um fator físico, mas uma forma de pensar. Também é importante ressaltar a ausência da causalidade, no sentido clássico do ser previsível. Em verdade, são inúmeras as causalidades que dão a sensação de uma única causa. Essa é a base filosófica e ideológica do artista. Respeito quem acha que música é entretenimento, mas para mim o artista tem de causar um choque. O choque é importante, pois você volta para casa, discute e temos, assim, um mundo mais rico do que o nosso. Isso exige um músico diferente. E também um novo homem, o apreciador. Um homem que esquece seu ego, que vive realmente o todo em que vivemos. Essa é a função do novo artista.

Qual é a função do educador? O sr. gosta de dizer que o bom educador é o que não educa.
Acho que o educador deve dialogar. Eu só posso educar se aprendo com meu interlocutor. A Rádio de Estocolmo pediu, há anos, que eu enviasse cassetes com música de meus discípulos. Eles ouviram e o diretor da rádio me perguntou se todos eram alunos de um mesmo professor, pois eram muito diferentes entre si. Isso acontece porque eu aprendo do aluno o que eu tenho de ensinar. Posso dizer "eu não faria isso, mas desse ou daquele modo". No entanto, digo isso como sugestão. Há conceitos que sempre repito antes de começar meus cursos. Não há erro absoluto em arte. O erro é sempre relativo a alguma coisa. Por isso chamo a minha estética de arte do impreciso e do paradoxal. Isso serve para libertar o aluno de todo o tipo de imitação. Ele deve experimentar e inventar algo que antes não existia. Ele precisa de coragem para isso e só a adquire se perder o medo do erro. Depois, digo também que não acreditem em nada do que o professor disser, para não acreditarem no que lêem e, mais importante, não acreditarem em nada do que pensarem. Em outras palavras, questionar tudo, de agora ao fim da vida.

Como foi ser o professor de Tom Jobim?
Ele tinha uma cultura musical e ideológica muito ampla. Nós dois éramos meninos quando nos conhecemos. Os pais dele tinham uma escola, o Colégio Brasileiro, e eu era o professor de música das crianças. Acho, aliás, que o mais moderno e o mais contemporâneo são as crianças. Devemos aprender a aprender com as crianças. A mãe de Tom pediu-me para orientá-lo e ele estudou comigo contraponto, harmonia e piano. E, apesar de ser péssimo pianista, ensinei-o a tocar piano. Infelizmente, nossa relação não durou muito. O filho e o neto dele estudaram comigo também.

Jobim foi um discípulo de Koellreutter que se empolgou pela música de Villa-Lobos?
É possível que as duas coisas convivam bem. Respeito Villa, mas sem paixão. Ele é um fenômeno especial. Não me entendam errado, mas, como músico profissional, ele foi quase amador. Ainda assim, tem a força da personalidade que cria, o que dá grande valor à sua obra. Para mim, o estilo próprio é o critério mais objetivo da obra de arte e não só para o músico.

Por que o sr. sempre carrega a Bíblia, o Fausto, de Goethe, e A Arte da Fuga, de Bach?
Tudo o que falamos até agora está na Bíblia ou no Fausto. Quanto à Arte da Fuga, de Bach, já a regi mais de 50 vezes. É uma obra fascinante, em que cada nota tem significado e, ao mesmo tempo, há uma unidade fantástica. Muitos me perguntam como chego a essas conclusões estranhas e lhes respondo que estudei o futebol na última Copa. Em campo, vi que a disciplina incrível do time brasileiro convivia com uma liberdade extraordinária, quando diante do adversário. Isso é a música. Pensei na hora na Arte da Fuga, rigorosamente disciplinada e, ao mesmo tempo,de uma liberdade de interpretação total. Desde então, trabalho deste modo: misturo aquilo que acho que é a estrutura básica, os pilares da composição, com uma mudança constante do que está entre esses pilares. Espero não abandonar essa forma de compor antes de desaparecer.

O ESPÍRITO CRIADOR E O ENSINO PRÉ-FIGURATIVO

Caros, achei esse texto muito bacana no site da associação Através. Lá tem outros textos bem interessantes: http://www.atravez.org.br/educacao.htm

O ESPÍRITO CRIADOR E O ENSINO PRÉ-FIGURATIVO
H.J.Koellreutter
Três exemplares datilografados com alterações manuscritas do próprio autor (06p.).
[Apresentação em aulas inaugurais da Escola de Música da UFMG (BH)
e da Faculdade Santa Marcelina (SP) ano letivo de l984]


O alicerce do ensino artístico é o ambiente. Um ambiente que possa acender no aluno a chama da conquista de novos terrenos do saber e de novos valores da conduta humana. O princípio vital, a alma desse ambiente, é o espírito criador. O espírito que sempre se renova, que sempre rejuvenesce e nunca se detém. Pois, num mundo em que tudo flui, é o que não se renova um empecilho, um obstáculo.

Sem o espírito criador não há arte, não há educação. É esta uma verdade que os educadores tão facilmente esquecem.

Nem a escola,nem os professores jamais foram perfeitos. Sua eficiência reside na inquietação, que nasce da consciência de não poder satisfazer o ideal.

Numa escola moderna, numa época de profundas mudanças sócio-culturais como a nossa, o professor apresenta aos alunos sempre novos problemas; pois, as perguntas têm mais importância do que as respostas. Numa escola moderna, as soluções não são mecanicamente fornecidas ao aluno, mas sim resultam de um trabalho comum de todos, que dele participam. É que nesse ambiente desaparece o dualismo tradicional professor-aluno.

Já muitas vezes disse eu: em última análise não há maus alunos, e sim maus professores e escolas ruins.A estagnação do movimento, a rotina, a sistematização rígida dos princípios, a proclamação do valor absoluto são a morte da escola. O espírito criador que, sempre duvidando, procura, investiga e pesquisa, é a sua vida.

O objeto a ser estudado nesta Escola, é a arte.

Parece a muitos que, numa escola de arte, esta deva ser estudada e praticada exclusivamente de acordo com os princípios da tradição ou com as teorias formuladas em tratados e métodos.

É opinião geral que um programa de ensino bem organizado, baseado numa determinada ordem pré-estabelecida das disciplinas leva ao aluno a adquirir o que ele necessita para o exercício da profissão, por ele espontaneamente escolhida. E ninguém preocupa-se com o resto. A escola torna-se um agregado de cursos estanques, mais ou menos bem dados, onde o professor repete doutoral, e fastidiosamente, a lição já repetida nos anos anteriores, ou treina seus discípulos como se amestram animais de circo pela repetição indefinida do mesmo ato, discípulos ansiosos para aprender a técnica de um instrumento p.s., a fim de poderem transmitir uma mensagem artística.

Essa situação, apesar de ser uma realidade, essa concepção das coisas, apesar de ser muito difundida, extingue no aluno o que nele houver de criativo.

Realmente, é incontornável: só poderá seguir a carreira artística, quem se especializar; quem aprender algum artesanato até seu domínio incontestável. É por isso que devemos decidir -não imediatamente, mas o quanto antes- qual será o caminho a seguir e qual a disciplina a ser estudada a fundo.

Todos os esforços, no entanto, serão vãos, para a real compreensão das coisas da arte, tornando-se, na prática, mera rotina, quando não relacionarmos -tanto os alunos, quanto os professores- os nossos conhecimentos com o todo. Com o todo da arte, com o todo de nossa existência, com o todo do meio-ambiente e com o todo da sociedade em que atuamos. Pois, é esse todo que nos estimula, que como germe, vive em nós desde o princípio; o todo que é a vida espiritual, o espírito criador, propriamente dito.

O caminho é o ensino pré-figurativo segundo o fato de que a função primordial da educação já não pode adaptar o jovem a uma ordem existente, fazendo com que assimile os conhecimentos e o saber destinados a inseri-lo em tal ordem -como procederam as gerações anteriores-, mas, pelo contrário, pode ajudá-lo a viver num mundo que se transforma em ritmo, cada vez mais acelerado, tornando-o assim capaz de criar o futuro e de inventar possibilidades inéditas.

Entendo por ensino pré-figurativo um método de delinear antecipadamente o que, provavelmente, sucederá no futuro, ou seja, figurar imaginando. Entendo por ensino pré-figurativo um método de delinear aquilo que ainda não existe, masque há de existir, ou pode existir ou se receia que exista.

Este método de ensino, naturalmente, não rejeita os métodos tradicionais, mas sim, os complementa. O caminho é a ampliação, o alargamento do ensino tradicional pelo ensino pré-figurativo.

Por isso, alunos desta Escola, apelo a vocês: deixem-se levar pela consciência das relações entre as coisas -é que a ciência moderna comprovou que não há objetos ou fatos, mas sim, exclusivamente relações-, deixem-se levar pela consciência destas relações, pela verdade de que nenhuma atividade intelectual pode ser isolada. Deixem-se levar pelo verdadeiro interesse e não apenas pela simples curiosidade. Deixem-se levar pelos fundamentos essenciais dos nossos conhecimentos e pela força da problemática que nos envolve e que dá sentido à atuação do artista de nosso tempo.

Assim sentirão o pensamento humano em sua unidade, cuja conscientização é, tão importante na vida intelectual contemporânea.

O espírito criador não permite -hoje menos que nunca- que os vários ramos da educação artística sejam ensinados independentemente, uns dos outros, sem relações entre si.

É verdade que em cada ramo da educação artística necessita-se do homem que se especializa. Mas é indispensável, que não lhe faltem o conhecimento do todo e a compreensão das inter-relações existentes entre as coisas, entre os homens e suas atividades.

Esse todo, porém, do que eu falo, e cuja conscientização me parece tão importante, não existe pronto em nenhuma parte. Nem nas diversas áreas da atividade artística. Nem nos cursos da escola. Esse todo vive em toda parte através de tensões permanentes que sempre se renovam.

A mudança do conteúdo e dos programas de uma educação que tenda essencialmente ao questionamento crítico do sistema e à sua reprodução, que tenda ao despertar e ao desenvolvimento da criatividade e não à adaptação e à assimilação, exige:

1. que as culturas não-ocidentais tanto quanto as originárias, aborígenes ainda existentes neste planeta e, naturalmente, também no Brasil, sejam levadas em conta tanto quanto a ocidental;
2. que as artes e a estética, em particular, como reflexão sobre o ato criador encontrem lugar tão eminente quanto o das ciências das disciplinas tecnológicas;
3. que a prospectiva como reflexão sobre os fins, os valores e o sentido do futuro em vias de nascer, e como tomada de consciência de nossas responsabilidades- temática mais importante do ensino pré-figurativo-, ocupe espaço tão amplo quanto o do passado.

Pois só um conhecimento vivido das culturas não-ocidentais e originárias, isto é, um verdadeiro "diálogo das civilizações e culturas", permite dar resposta às indagações de hoje, em escala planetária, integradora. Permite realizar a grande reviravolta cultural necessária, tornando relativo o que se convencionou chamar ciências e artes, situando as duas áreas no contexto infinitamente mais vasto de uma sabedoria, na qual nossas relações com a natureza não são apenas manipulação ou de conquista, mas de amor e participação: uma abordagem, em que o relacionamento de um com o outro e com a sociedade não é o de um individualismo, mas de comunidade, onde nossas ligações com o futuro não são definidas por uma simples extrapolação do presente e do passado, mas por ruptura, superação e transcendência: a criação de um futuro realmente novo.

O ensino pré-figurativo das artes é parte de um sistema de educação que incita o homem a se comportar perante o mundo, não como diante de um objeto, mas como o artista diante de uma obra a criar.

A prospectiva, finalmente, entendida não no sentido positivista da futurologia, como simples previsão tecnológica dos meios a partir do presente e do passado, mas como reflexão sobre os fins, exame crítico e questionamento dos objetivos e como antecipação, invenção de fins e de novos projetos.

O ensino pré-figurativo, assim como eu o concebo, forçosamente implica na educação permanente do homem moderno, ou seja, a reciclagem constante do corpo docente, reciclagem que se tornou necessária pela aceleração científica, ou seja, o desenvolvimento tão rápido dos conhecimentos e das técnicas, que não é, mais possível bloquear -no começo da vida- a formação dos homens pela escola e o aprendizado, tornando-se indispensáveis reciclagens freqüentes durante todo o período da vida ativa.

A nossa Escola, uma escola de arte, vive nas tensões e controvérsias das idéias, através das quais resplandece a unidade latente de todas as concepções estéticas. A assimilação dessa unidade leva-nos a penetrar na parte mais transcendental da arte: o espírito criador faz crescer as tensões e leva-as a um movimento ininterrupto e a uma ação tremenda. Deixá-las enfraquecer e disfarçá-las em conceitos definitivos e verdades aparentemente absolutas significaria a ruína do espírito criador.

Mas o todo possui conteúdo somente na profundeza e na extensão das experiências desde que eu entendo por experiência tudo, que pode tornar-se presente ao homem.

Nas artes, a própria vida espiritual é o fundamento da experiência. O espírito realiza-se através de sua concretização. E nós compreendemos o conteúdo da mesma, na medida em que vivemos entregues à meditação ou sob o influxo da paixão artística, sendo indiferente que participemos das coisas da arte ou que sintamos sua dolorosa falta. Em ambos os casos, a concentração e a entrega absoluta ao ideal levam à penetração no conteúdo da arte.

O que seria da arte, se a sua beleza não fosse a inquietação fecundada vida espiritual? Se não se sentissem nos estudos, as divergências da interpretação, das teorias e dos princípios estéticos? O que seria da história da arte, se faltasse uma realidade artística verdadeira?

Como seria possível compreender o pensamento dos grandes mestres sem ter passado,de uma ou outra maneira, pela problemática que constitui a vida dos mesmos? Por isso, a seriedade da vida pessoal, o rigor, a auto-disciplina, a intolerância consigo mesmo são as condições de um estudo profundo e eficiente.

Nas artes surgem as experiências através de uma intensa vida interior, através do poder da sensibilidade e da audição no silêncio.

Experiência não "é" simplesmente.É somente na medida em que o nosso espírito for criador que fazemos experiências.

O traço fundamental da experiência artística é a compreensão, a compreensão do todo, da dialética das relações de tudo com tudo. Só se integrando na problemática de nossa existência e vivendo na interdependência das coisas, esplende o espírito criador.

Estudantes: não pensem que assiduidade e aplicação ao estudo, a simples aquisição ou compilação de conhecimentos para o exame, a profissão e a carreira, sejam o suficiente. Sem dúvida, aplicação nos estudos, aplicação absoluta é conditio sine qua non para a vida intelectual. Mas não confundam esta com a pseudo-aplicação e o pseudo-interesse que tanto se observam entre os alunos que freqüentam as escolas de arte. Conjecturas gerais sobre o todo não significam a participação no mesmo.

Viver no desperdício do mais ou menos não é compreensão. Petiscar de tudo, não é largueza de horizontes. O verdadeiro estudo exige a realização clara e concreta das coisas, a concentração numa só coisa dentro da amplidão ilimitada do universal.

Eis o que distingue a nossa escola, uma escola de nível superior, das outras escolas de música: a consciência da imperfeição de tudo e de todos, a consciência do problema que pesa sobre cada um, o problema de escolher livremente sua tarefa, e a recusa de programas de ensino imutáveis.

E natural que a constante preocupação com uma problemática que sempre se renova e, principalmente, que encerra objeto e sujeito, isto é, envolve professor e aluno, artista, obra de arte e consumidor, problemática viva, sem a qual o espírito ,criador desfaleceria, não deixa de dar margem à dúvida.

A realidade da escola é sempre demasiadamente afastada do ideal. Nós, como professores, vocês como alunos, todos falhamos demais. O fato porém, de reconhecer isso, aproximar-nos-á, cada vez mais da verdade. Somente quem não sente suas próprias falhas, quem não sente seus defeitos, seus fracassos, esquiva-se do espírito criador.

Quando, há 50 anos atrás, matriculado nos cursos da Academia Estadual de Música em Berlim, pela primeira vez atravessei o limiar daquele famoso instituto, não deixei de sentir o tremor de profundo respeito pela tradição e pelas coisas da arte. Foi lá que ouvi ensinar os compositores Paul Hindemith e Kurt Thomas, o violoncelista Emanuel Feuermann, o pianista Edwin Fischer, o regente Wilhelm Furtwängler e muitos outros, cujos nomes entraram na história da música.

Muitas veses, com a arrogância da juventude, encontrei em cada um algo para criticar. Com a perspicácia da mocidade, talvez não sempre sem razão. Mas, ao mesmo tempo, fiquei comovido, impressionado e até fascinado com o que os meus mestres tinham a dizer e o que nunca teria compreendido sem os seus ensinamentos. Com gratidão lembro-me dos meus professores, cujos exemplos foram decisivos para a minha carreira. É que também a crítica que rejeita, é fundamento da cultura.

Desejo, que vocês ajam da mesma maneira, que nos critiquem severamente, mas que essa crítica não deixe de ter sua raiz na idéia universitária de uma escola de ensino superior e que ela nasça do espírito criador.

Desejo que vocês façam tudo melhor que nós, e que ao mesmo tempo iniciem, num trabalho incansável, o desenvolvimento consciente de seu poder intelectual.

Não importa, se vocês nos reprovam, a nós que nos esforçamos para preservar a continuidade da tradição. Importa, porém, que encontrem um caminho para penetrar mais a fundo no espírito dessa mesma tradição.

O espírito criador não é um dom da natureza. E um presente que recebem aqueles que a ele se conservam abertos. O trabalho intelectual, a autocrítica, a compreensão de tudo que os homens criam, visam em última análise cultivar em nós uma vida intensa, que nos torna homens livres.

Deve ser a nossa Escola um laboratório, onde se cultiva o diálogo entre professores e alunos, onde se procura penetrar em tudo, elucidar e objetivar tudo que pode ser apreendido. Desejo que a nossa Escola dê a impressão de que toda a vida é uma grande experiência, um material a ser estudado. Assim a nossa Escola torna-se atual, integrada na realidade contemporânea. É verdade que o espírito criador deve ter suas raízes na tradição, nos tempos passados, em mundos estranhos portanto, mas jamais ele deve isolar-se e afastar-se do presente real. Assim ele despertará forças para elucidar o presente e para contribuir resolutamente para a construção do futuro da humanidade.

COMENTÁRIO

O convívio com Koellreutter, seja no âmbito discente ou no pessoal, é sempre uma experiência radical. Questionador contumaz, Koellreutter incita o interlocutor à reflexão crítica. É clássica sua introdução a um curso quando se vê diante de novos alunos: "questionem tudo o que os livros dizem, questionem tudo o que o professor diz e questionem tudo o que vocês pensam. Perguntem sempre PORQUE". Esta proposição, de início tida como uma brincadeira, se torna ao longo de seus cursos uma meta ideológica que, nem sempre, é bem compreendida. Muitos alunos, acostumados à uma atitude passiva diante de um professor, não toleram o esforço necessário para essa nova atitude. Mais que tudo, Koellreutter ensina a pensar.

Como professor, Koellreutter recusa sempre o papel de informador. Prefere o de "animador" mas, quase sempre, atua como "desequilibrador". Quando um professor age como um informador ele espera alunos ouvintes, passivos. Quando, age como "animador" espera alunos pesquisadores, ativos. Mas os poucos que conseguem agir conscientemente como "desequilibradores" esperam alunos corajosos, criativos, capazes de re-equilibrar-se, crescendo como pessoas.

Talvez por isso Koellreutter desperte sentimentos tão polares entre seus alunos: de um lado a rejeição absoluta; do outro a quase devoção.

Como nos diz R.Barthes, em sua Aula, o professor ainda sem experiência ensina exatamente aquilo que sabe. Mais experiente, o professor ousa, desafia, incita,"acaba por ensinar o que ele nãosabe"; os que setornam "mestres" são capazes de ensinar o aluno a "des-aprender", a remover as inumeráveis camadas de verniz que a vida passa sobre os nossos sentidos e emoções, para que a "essência" criativa de cada um possa se manifestar novamente. Barthes conclui sua Aula dizendo que sapientia significa: “nenhum poder, um pouco de saber, o máximo de sabor". Koellreutter pertence última a essa categoria.

O texto que se segue (proferido como aula inaugural) é um exemplo vivo dessas considerações.
Já no título O Espírito criador e o ensino pre-figurativo, Koellreutter traça a linha mestra do texto e mostra sua forma de atuar como pedagogo.

Porque "pre-figurativo"? Trata-se de uma questão crucial no trabalho do mestre. Figurativo é um termo próprio do domínio das artes plásticas e diz respeito a uma forma de "manifestação artística, comum a diferentes épocas, culturas e correntes estéticas, e que se manifesta pela preocupação de representar formas acabadas da natureza" (Aurélio). Numa pintura figurativa, por exemplo, o pintor procura representar algo perceptivamente pré-estabelecido -ele pinta uma montanha, uma casa, uma pessoa, um animal, etc. Por outro lado, numa obra não-figurativa, o pintor sugere, circunscreve, delineia mas não "afirma" formas pré-estabelecidas. Tomando por empréstimo esse sentido, Koellreutter propõe um ensino artístico pré-figurativo, aberto, livre de pré-concepções, onde atue o espírito criador. Como ele nos diz no texto: "o ensino pré-figurativo é um método de delinear aquilo que ainda não existe, mas que há de existir, ou pode existir, ou se receia que exista. Este método de ensino, naturalmente, não rejeita os métodos tradicionais, mas sim os complementa.”

Gostaria de destacar alguns trechos que, a meu ver, traduzem claramente esta proposta:

O alicerce do ensino artístico é o ambiente. Um ambiente que possa acender no aluno a chama da conquista de novos terrenos do saber e de novos valores da conduta humana. O princípio vital desse ambiente, é o espírito criador. O espírito que sempre se renova, que sempre rejuvenesce e nunca se detém.
.A ... eficiência da escola reside na inquietação, que nasce da consciência de não poder fazer o ideal.
Numa escola moderna, as soluções não são mecanicamente fornecidas ao aluno, mas sim resultam de um trabalho comum de todos que dele participam.
A estagnação do movimento, a rotina, a sistematização rígida dos principios, a proclamação do valor absoluto são a morte da escola, O espírito criador que sempre duvida, procura, investiga e pesquisa, e a sua vida.
Todos os esforços... serão vãos, para a real compreensão das coisas da arte,... quando não relacionarmos os nossos conhecimentos como todo,.. Com o todo da arte, com o todo de nossa existência, com o todo do meio-ambiente e com o todo da sociedade em que atuamos.
O ensino pré-figurativo das artes é parte de um sistema de educação queincita homema se comportar perante o mundo, não como diante de um objeto, mas como artista diante de uma obra a criar.
... uma escola de arte vive nas tensões e controvérsias das idéias, através das quais resplandece a unidade latente de todas as concepções estéticas. A assimilação dessa unidade leva-nos a penetrar na parte mais transcendental da arte: o espírito criador faz crescer as tensões e leva-nos a um movimento ininterrupto e a uma ação tremenda. Deixá-las enfraquecer e disfarçá-las em conceitos definitivos e verdades aparentemente absolutas significaria a ruína do espírito criador.

O que seria da arte, se sua beleza não fosse a inquietação fecunda da vida espiritual?
O espírito criador não é um dom da natureza. É um presente que recebem aqueles que a ele se conservam abertos.
Para mim e para tantos outros foi um privilégio usufruir do convívio com o mestre Koellreutter. Em minhas atividades profissionais, seja como musicista seja como médico, Koellreutter foi um marco divisor: antes e depois dele. Espero que a leitura do texto gerador deste comentário, possa proporcionar aos que não tiveram esse privilégio uma oportunidade de refletir e compartilhar da visionária sabedoria do mestre.

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João Gabriel Marques Fonseca, Musicista, Médico e Professor da Faculdade de Medicina e da Escola de Música/UFMG.

Relato de aula - 6 - Metodologia II

Assistimos ao espetáculo "Fim de Feira", de Koelrreutter e Teca Alencar. Baseado nos adagios das feiras populares, essa peça traduz de forma poética esse ambiente.

O vídeo também mostrou momentos dos ensaios. Achei bem bacana o processo de criação em conjunto.
Também assistimos a um trecho do documentário "Koellreutter e a Música Transparente".

- Qual NÃO deve ser o papel da educação?
- Contextualizar o tradicional com a vanguarda.
- O artista moderno é um ser que vive as coisas do espírito.
- O importante da Educação Musical é desenvolver capacidades para qualquer profissão.
- Somos incapazes de penetrar realmente em vivências de culturas estranhas.
- Acrono: tempo diferente, que depende da emoção das pessoas.
- Caos inteligível!

Relato de aula - 6 - Regência e Didática do Canto Coral

- Exercícios para desenvolver a prontidão do grupo,
- Exercícios de aquecimento, utilizando sons com as consoantes "m", "r" e "s".
- Utilização da palavra “não” em crescendo, decrescendo, stacatto, forte, fraco, etc...
- Exercício em dupla para treinar concentração e preparação: os dois marcam o pulso, o lider diz uma palavra e no tempo (ou compasso) seguinte o outro deve repetir, mas enquando isso o lider já está falando outra palavra! Sensacional!
- Cânones
- Prática de repertório

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Relato de aula – 6 – Metodologia I

- Continuação do método Kodály.

Trabalhamos com a música dos patinhos:
“Todos os patinhos
gostam de nadar
Gostam de nadar
N’água a cabecinha
E o rabinho no ar”.

Escrever a música utilizando figuras alternativas:
.. .. _ _
.. .. _
.. .. _
.. .. _ _
.. .. _


Trabalhamos com a música “Boi da cara preta”:
“Boi boi boi
Boi da cara preta
Pega essa menina
Que tem medo de careta”

Opções de atividades:
- Cantar a música;
- Tocar a pulsação no pé / mão / pé e mão;
- Cantar a música enquanto toca um ostinato rítmico;
- Fazer cânone tanto cantando como com o ritmo;
- Expor que a canção tem pulso e ritmo. Com a mão direita tocar o ritmo, com a mão esquerda o pulso, e vice-versa.

Outra opção de música: "Boi da cara preta"

Também é possível trabalhar com nomes:


E com frases - “Nem tudo que reluz é ouro”:



Adorei a atividade de pergunta/resposta na roda. Nessa atividade, os alunos sentam em roda, e verifica-se se cada um tem um par:

 Estabelece-se uma pulsação. Cada aluno vai propor frases ritmicas para seu par, de acordo com as seguintes possibilidades:
- Perguntas e respostas iguais;
- Perguntas e respostas diferentes;
- Formulas de compasso diferentes.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Relato de aula - 5 - Metodologia II

Hoje assistimos um vídeo sobre Koellreutter.
Aliás, as aulas sobre Koellreutter são sensacionais!
Năo há como falar que é uma aula sobre música, ou sobre uma metodologia de ensino. Pelo que vejo, assim como as aulas COM Koellreutter, as aulas SOBRE ele săo mesclas de música, filosofia, cięncias, história, política, pedagogia... Quem teve a oportunidade de conviver com esse grande mestre se modifica a tal ponto que năo tem como năo passar, transmitir, contagiar a todos o mesmo espírito.

Opa! De repente me lembrei de Paulo Freire também!!! Percebo que os grandes mestre se tornam grandes e admirados por isso: conseguem ter essa visăo holistica das coisas.

Voltando para a aula!

"O que tem para ouvir nessa música?"
A música comtemporanea incorporou a incerteza do mundo.
Com o advento da Teoria da Relatividade e as descobertas da Fisica Quantica, foi possível perceber a imprecisăo do mundo em que vivemos.

Os criadores săo diferentes dos compositores. Eles desafiam, transgridem, chocam, estrapolam, contestam! E tudo que é novo causa certa estranheza. Demora um certo tempo para que as pessoas consigam digerir novas linguagens e propostas. Me lembro até hoje a sensaçăo que tive quando ouvi Pierrot Lunaire, de Schoenberg. Foi a primeira vez que ouvi uma música atonal! Me tirou do eixo! Parecia que eu iria cair da cadeira!!! Fiquei sem ponto de referęncia! Ainda hoje tenho essa sensaçăo, mesmo que bem mais amena.

Ensino pré-figurativo
Koellreutter propôs o ensino que chamou de pré-figurativo: você năo vai ensinar, mas sim criar uma situaçăo para a criaçăo.
"Ensinar a teoria musical , a harmonia e o contraponto como princípios de ordem indispensáveis e absolutos é pós-figurativo. Indicar caminhos para a invenção e a criação de novos princípios de ordem é pré-figurativo.
Ensinar o que o aluno pode ler em livros ou enciclopédias é pós-figurativo. Levantar sempre novos problemas e levar o aluno à controvérsia e ao questionamento de tudo o que se ensina é pré-figurativo."
Trechos do livro "Koellreutter Educador: o humano como objetivo da educação musical"
Outros pontos:
- Importância da conscięncia
- Relaçăo inter-humana -> escuta do grupo
- 1941: Superaçăo da forma de sonata tradicional

Frases da aula:
"Educaçăo musical é educaçăo"
"Ser humano: o mais importante do ensino musical"
"Música a serviço da personalidade"
"A música é uma arte temporal"

Relato de aula - 5 - Regência e Didática do Canto Coral

- Relato da Mara sobre sua experiência com o coral de crianças do Sesi e suas dificuldades (turma numerosa, alunos participam por obrigação, comportamento)
- Discussão em grupo sobre os textos enviados;
- Discussão em sala sobre a figura do regente;
- Técnicas de regência (regência de ritmos - binário, ternário e quaternário)
- Prática de repertório

Relato de aula – 5 – Metodologia I

- Introdução do método Kodály

Nessa aula foram expostas as características do método Kodály:
- Valorização da cultura local. No caso dele, o folclore húngaro, do qual muitas músicas são utilizadas em seu método. Aliás, num trabalho de pesquisa de músicas populares a serem aproveitadas nas suas composições, Kodály coletou cerca de 100.000 canções. Foi muito discutido em sala de aula a questão da necessidade de, quando se utilizar o método Kodaly, fazer uma adaptação para nossa cultura brasileira, utilizando nossas músicas folclóricas. Além de se dar a devida importância para a cultura local, existem algumas diferenças entre as canções tradicionais de um país para outro. Por exemplo, no caso das músicas húngaras, o intervalo de terça menor é muito presente. Entretanto, na música brasileira o intervalo que mais aparece é o de quinta justa;
- “A música pertence a todos”, sendo uma importante ferramenta para a formação integral de ser;
- O canto é o melhor fundamento para a técnica musical, tanto que seu método utiliza-se muito do canto coletivo.
- Solfejo relativo;
- Dó móvel;
- Sistema de manossolfa;
- Ritmo é ensinado em conjunto com a melodia;
- Utilização de sílabas como “TÁ” e “TI-TI” para trabalhar as figuras rítmicas;
- Música deve fazer parte do cerne do currículo educacional, um assunto essencial como base para a educação.

Surgiu também em sala uma discussão a respeito de ensinar ou não a notação musical convencional. Bom, eu particularmente tenho pouca experiência em dar aula de música numa turma que não esteja voltada para o aprendizado de um instrumento musical. Entretanto, me lembrei muito a possibilidade de se trabalhar um currículo em espiral, onde a cada etapa se aprofunda e se ampliam os conhecimentos, que a professora Ruth Ladeira nos apresentou no semestre passado. Acredito que, dependendo da idade e da “etapa” em que o aluno se encontra, podemos começar com uma notação não convencional, mas depois é possível apresentar a notação padrão.