terça-feira, 19 de abril de 2011

Demônio de Laplace

Desde o início, ciência e filosofia caminharam juntas e, pelo menos até o século XIX, não fazia muito sentido separar as teorias científicas das teorias filosóficas. O que hoje consideramos ciências era antes chamado, de um modo geral, de "filosofia da natureza". Esses estudos procuravam fornecer uma explicação sobre o mundo que permitisse apontar as leis determinantes de todos eventos naturais, incluindo o movimento dos corpos celestes, as reações dos elementos químicos e a origem dos seres vivos.

À medida que essas teorias obtinham êxito na descrição dos fenômenos da natureza, crescia a ilusão de se construir uma teoria pura e completa, capaz de prever com exatidão todos os acontecimentos, muito antes que eles viessem a ocorrer.

A concepção do "demônio de Laplace" - uma entidade, que ao observar, ao mesmo tempo, a velocidade e posição de cada elemento na natureza, seria, a partir disso, capaz de deduzir toda evolução do Universo, tanto no passado como no futuro - representa o tipo de mentalidade confiante que foi constituída graças ao sucesso das leis propostas por filósofos, como Isaac Newton e Antoine L. Lavoisier (1743-1794), tanto na física como na química. Essa entidade imaginária - sugerida pelo astrônomo e matemático Pierre Simon Laplace (1749-1827) - revela o quanto a perspectiva determinista da natureza estava arraigada na pretensão das ciências clássicas. Bastava que se conhecesse a posição e a velocidade iniciais dos objetos, para que uma lei natural pudesse prever todos eventos a eles relacionados, sua origem e seu destino.

Tamanha pretensão acabou por gerar uma tendência a separar os rumos das pesquisas científicas, da investigação filosófica dos fundamentos e princípios que explicariam porque um certo fenômeno acontece de um modo e não de outro. Às ciências seria suficiente encontrar uma teoria que descrevesse o comportamento da natureza e pudesse prescrever seus desdobramentos, enquanto caberia à filosofia a justificativa racional do porque disso ser assim e não de outro modo. Como conseqüência dessa divisão de tarefas, o positivismo, desenvolvido por Auguste Comte (1798-1857) na sua forma mais radical vem propor a redução da filosofia especulativa - sobretudo a metafísica - aos resultados da ciência, cujo método deveria ser aplicado a todas as outras formas de conhecimento. Surgem, então, as ciências sociais - a antropologia e a sociologia - como disciplinas voltadas exclusivamente para o exame dos mecanismos e relações que geram os fatos sociais e a interação humana, de um perspectiva neutra, deixando de lado as motivações e interesses que estão na origem do conhecimento científico.
fonte: SILVA, Antônio Rogério da. Física e Conhecimento Humano

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